Graça Ramos é uma artista transgressora por natureza. Ao demonstrar sua inquietação diante dos valores da arte tradicional, ganha força e expressão, na sua forma de desmistificar plasticamente o corpo humano, decodificando o reconhecível no seu estilo de fazer arte. Em suas telas mistério e vida, se revelam, envolvendo inquietação e ansiedade, pela busca do experimentar.

Sua arte inicialmente influenciada pelo ambiente em ebulição das feiras nordestinas, adquire com o passar dos anos um refinamento próprio, a partir de suas viagens pelo mundo e de suas vivências como mulher criadora de arte.  Calazans Neto ou Mestre Cala dizia sobre Graça Ramos que “a injunção da artista e a mulher é um diálogo perfeito onde esta maravilhosa criatura ‘a mulher’ vem surgindo como saída de um mágico mundo pessoal.

Em 1996 na Espanha, cria suas primeiras Caixas de Luz, ato que começou desde 1984 ainda aqui na Bahia, rasgando e costurando o suporte tela numa atitude de rebeldia, como se fora um artesão e indo mais além, ao transformar um elemento tradicionalmente bidimensional em tridimensional.  Assim, segundo suas palavras, “abre janelas que permitem passar a luz, às vezes filtrada por entre rendas, bordados, sacos de aniagem ou corte que deixam vazar a luz, as vezes coada e translúcida, pintando com cores, estabelecendo uma relação entre os espaços internos e externos, revelando outras dimensões”.

Seu gesto ao cortar as telas, tal como em Lúcio Fontana, rompe com uma estrutura clássica, modifica a concepção do quadro, dando-lhe um sentido de espacialidade que insere seu trabalho na Arte Contemporânea. Como resultado, Gregório Otero teoriza, “O aspecto incorporado vai além do neorealismo, pois nele se põe uma integração com linguagens plásticas preponderantes”.  
No conceito de Graça (1997) “a obra de arte é aquilo que é reconhecido como manifestação de um saber, não necessita imitar outros objetos, cenas ou acontecimentos, portanto, a atividade artística contemporânea deve estar interessada em criar, em inventar e intervir com sua própria expressividade”. É nesse sentido que ela transgride, desperta para algo mais livre, mais solto, explorando espaços, concretizando uma história, frente à uma arte liberta de preconceitos e fortemente marcada pela percepção do diferente.

Alberto Freire de Carvalho Olivieri (2005) Pós Doutor, pesquisador e professor do Mestrado em Artes Visuais da Escola de Belas Artes-EBA/UFBA, argumenta que “o processo criativo essencialmente se dá no inconsciente”. O inconsciente de Graça, inclui interagir com o mundo criando uma linguagem especifica de signos, um idioma visual de comunicação onde corpos e luzes são ícones desmistificados. Configura, desconfigura, estabelece um diálogo com o fazer artístico. No processo de desconfiguração a artista rompe com os limites do puramente formal para adentrar na esfera dos sentidos e das sensibilidades, campo do conhecimento em que essa artista atua.

No novo milênio, o estilo pessoal da artista afinada com seu tempo, prevalece a espontaneidade de um universo particular muito rico. Para Graça Ramos o trabalho do homem é sempre um reflexo de sua alma e do seu espírito, como a Obra de Arte é reflexo do seu criador. Telas, paredes, murais, painéis, caixas, papel, papelão, madeira, tudo nas mãos de Graça vira arte.

A crítica de arte Matilde Matos reconhece em Graça também  uma  pesquisadora incansável quando utiliza “todo tipo de material, técnica, suporte, tentando violar a integridade do plano, fazendo da tela um patchwork em que as emendas são usadas como divisões naturais […] uma aparência nova pela audácia da composição”.

Ao romper com o realismo, Graça, desestrutura as formas anatômicas, reinventando um vocabulário próprio, capaz de estabelecer uma dialética para o simples estímulo da visão. Espalha massas pictóricas que vibram e contrapõem com espaços que remetem ao barroco, quebrando todas as amarras com o desenvolvimento de um trabalho “certinho, formalzinho”, buscando firmar, delimitar, demarcar seu espaço pictórico. Significativamente, a poética do seu trabalho, se desenvolve entre uma multiplicidade de imagens, que povoam seu imaginário num discurso com conteúdo estético contemporâneo, que acontece paralelo ao aspecto transitório e atemporal da arte. 
                                                                                                

Jani Sault
                                                                                               

Artista Plástica e pesquisadora de Arte.